quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Camisetas do Viagem no Tempo


Galera, ficaram prontas as camisetas do blog Viagem no Tempo. Quem estiver afim de uma, é só seguir o meu perfil no Twitter @leandrojacruz e ficar atento às dicas.
Serão várias camisetas nos próximos dias. Os ganhadores serão anunciados no twitter e no blog.
Em breve, postaremos também novos modelos de camisetas.
Ajude a divulgar o www.viagemnotempo.com.br , a História pensada de um jeito diferente.
Abraço.
http://twitter.com/leandrojacruz

domingo, 24 de outubro de 2010

500 anos embaixo da terra

A história  da exploração das minas e dos mineradores da América Latina
(Jornal do Povo - 23/10/2010)

por Leandro Cruz, historiador
Mario Gómes Heredia, 63 anos, passou a maior parte deles debaixo da terra
Ele aparece fotografado aqui por uma sonda, a 700 metros abaixo da superfície do
deserto, na ocasião em que ele passou mais tempo seguido sob o s
olo

Na semana passada o mundo inteiro ficou olhando para um buraco no chão, um buraco no meio do deserto. O resgate dos 33 mineiros chilenos foi um 11 de setembro às avessas. Se transformou num espetáculo televisivo internacional, mas em vez de perdas de vida em choques de aviões, desabamentos e saltos para a morte, víamos homens (que poderiam estar mortos e enterrados havia 70 dias) sendo trazidos de volta ao mundo dos viventes.

É claro que pessoas vão lucrar muito com essa história, como o presidente (que viu sua aprovação subir 15 pontos para 73%), editoras, estúdios e (esses merecidamente) os próprios resgatados.
Menina peruana trabalha na extração de ouro no Peru.
A Organização Internacional do trabalho estima que
1,5 milhão de crianças latinoamericanas trabalham em minas

A operação foi um sucesso incontestável. Os 33 estão vivos. Êxito da vontade de viver e do trabalho em equipe deles, da tecnologia e de um governo que enfrentava greves da população de origem indígena e via sua popularidade cair vertiginosamente. Caso morressem, entretanto, se juntariam a uma enorme multidão de homens que morreram ao longo da História na América Latina de forma anônima, buscando metais valiosos que jamais lhes pertenceriam.

Com gelo no Sul, deserto ao Norte, cordilheira a Leste e mar a Oeste, o território do Chile é geograficamente isolado do resto do mundo, o que, num mundo cheio de nações imperialistas, significa proteção. Até mesmo os Incas, um século antes da chegada dos europeus ao continente, haviam desistido de enfrentar as tribos autóctones daquela região e anexá-las aos seus domínios. Simplesmente, para eles, não valia a pena. Mas os espanhóis teriam uma maior sede por riquezas, uma maior determinação, cavalos e armas de fogo.

Acontece é que Francisco Pizarro, logo nas primeiras décadas do século XVI, já havia conquistado o Peru e saqueado os templos e palácios incas (pra não falar nas mulheres violadas e nos assassinatos). Desde então, não faltaram aventureiros em busca de metais valiosos, acreditando que pudessem também descobrir e subjugar outros impérios ricos, como os encontrados no Peru e no México.

Os indígenas entenderam o que os espanhóis queriam e, para que os espanhóis "dessem um pouco de sossego" aos seus povos, criaram a lenda do Eldorado. Diziam existir uma grande cidade em que até os palácios era feitos de ouro, em que o rei tinha o corpo besuntado de óleo e depois coberto de ouro em pó. As lendas exageradas iam se misturando com relatos cerimoniais sobre oferendas em ouro lançados em lagos profundos. A cada lugar que os espanhóis chegavam, os nativos indicavam um caminho diferente: mais ao sul, mais ao norte, no atual estado de Roraima, nas Guianas e no Chile (além do deserto e da montanha).

Mas durante essa busca pela cidade de ouro não deixaram de cometer seus saques e violências contra os nativos que encontravam. Enquanto não achavam o Eldorado, nativos eram forçados a trabalhar nas minas.

Até então, a única coisa que os brancos conheciam sobre o território protegido pela Patagônia, pelo Atacama e pelos Andes eram relatos sobre seu litoral, "descoberto" por Fernão de Magalhães (ainda falaremos mais desse cara outro dia). O primeiro a buscar o Eldorado no Chile foi Diego de Almagro, companheiro de Pizarro na aniquilação e saque dos Incas. Ele cruzou os Andes, andou centenas de quilômetros e só achou gelo, deserto e morte. Desistiu depois de perder muito dinheiro e homens na aventura.

Outros vieram depois e, depois de descobrir os caminhos para vencer a cordilheira e ou o deserto, não foi difícil vencer os nativos. E uma vez que não existia nenhum palácio de metais valiosos por ali, os indígenas tiveram que ir para as minas, para o fundo da terra, tirar ouro e cobre para os brancos.

A história se repetia de maneira parecida por toda a América. Muita coisa mudou ao longo dos últimos quatro séculos na América Latina, mas algumas coisas permaneceram iguais. A maior parte do ouro do subsolo sul-americano (a que já foi encontrada) embeleza hoje as catedrais europeias. O cobre garante a geração, transmissão e uso da energia elétrica de boa parte dos países industrializados do mundo. Mas os milhares de mineiros continuam anônimos.

Na porção portuguesa da América Latina colonial, a mão de obra
explorada na mineração era a de escravos africanos
No Chile, os mineiros, não só os 33, passam anos debaixo da terra (mas de tempo em tempo dão uma paradinha e voltam para a superfície). Morrem de doenças respiratórias e não enriquecem. Os operários da mina San José, por exemplo, estavam com seus salários atrasados. Os mineiros que ficaram de fora, inclusive fizeram piquetes para cobrar a mineradora com cartazes com dizeres como “não se esqueçam dos outros 250” e “também estamos com fome”.

Tanto quanto a saída da mina, os 33 podem comemorar sua saída do anonimato. Hoje o mundo sabe, por exemplo, que Mario Gómez Heredia, 63 anos, o mais velho do grupo, trabalhava debaixo da terra desde os 12, sofre de silicose e agora também de pneumonia. Sabemos que ele, apesar da idade e da doença e de já ter perdido três dedos da mão em acidentes de trabalho anteriores, continuava trabalhando.

O episódio deveria servir para levar à reflexão sobre quantos e quantos morreram anônimos e escravizados, até hoje, buscando riquezas para garantir a satisfação da insaciável ganância e luxúria dos homens.

domingo, 17 de outubro de 2010

Salve o Saci! Salve a cultura brasileira!

por Leandro Cruz, historiador

Talvez eles estejam simplesmente se escondendo, preparando um plano de rebelião. O mesmo furor do consumismo, que desequilibrou os biomas e ameaça espécies de tantos bichos, é o mesmo culpado pela progressiva diminuição da população de sacis. Aqueles negrinhos pernetas, de cachimbo na boca e gorro vermelho estão ameaçados de extinção. Cada vez menos gente vê, cada vez menos gente escuta história sobre eles sob a luz de um lampião, de uma fogueira ou do luar.
Coitado do saci e de outros moleques. Tem criança mais amputada que o saci, aleijada de alma, de sonho, de imaginação. Alguns desses moleques “sonhetas” estão babando em frente à televisão. Outros se contorcem pelos becos tendo na mão um cachimbo bem diferente daquele do saci. O saci não é mal... ele só quer brincar. As outras crianças é que não querem ou não podem mais brincar com o saci. Elas estão ocupadas matando terroristas no computador ou procurando comida no lixo ou trabalhando.
Índios e caboclos acreditavam
 que o saci se transformava
 no passarinho
Tapera naevia
O saci nasceu na floresta, entre os índios guarani do Sul do Brasil, pertinho do Paraguai e da Argentina. Eles ouviam um assovio ou canto melancólico vindo sabe-se lá de onde. Para eles, tratavam-se de uma brincalhona entidade da floresta, que jamais crescia ao tamanho de um adulto, se transformava em passarinho. O passarinho em questão é o Matinta-perêra (Tapera naevia é o nome científico), o mesmo nome do mito indígena. A ave é conhecido por seu assobio que ecoa em todas as direções, num canto que parece dizer “Sem fim... Sem fim...”.
Grafite numa rua de Santo André
Mas a barra ficou pesada quando os brancos chegaram e começaram a escravizar os nativos. Muitas tribos tiveram de migrar. E assim o mito foi sendo espalhado pelo Brasil, virou perneta no meio do caminho, chegou na senzala. Ali, o menino ficou pretinho e pelado, igual as crianças dos escravos, que se identificaram com o personagem, simbolo de liberdade e justiça contra as pessoas más. Nos quilombos, contava-se que ele ia nas fazendas, soltava animais e escravos, dava nó na crina dos cavalos. Entrava nas cozinha, onde trabalhavam as velhas negras, as mesmas que contavam história para as crianças, inclusive dos brancos. Saci que bagunçava tudo na cozinha e às vezes sumia com algumas broas e outras gostosuras. Assim o negrinho comia.
O gorro vermelho e furo na mão (característica presente só em algumas regiões do país) ele pegou do duende português Fradinho da Mão Furada. O comportamento por vezes vil do Fradinho faz com que algumas pessoas tenham medo dele e o considerem uma especie de diabinho. Mas quase ninguém tem medo dele, sabe que ele é só um negrinho brincalhão.
E realmente existem variações. Tem lugar em que ele nasce do bambu e é assexuado, tem lugar que se reproduz sexuadamente com sacizinhas, tem lugar em que o saci nasceu da união de um fazendeiro cruel com uma escrava.
A torcida do Internaciona
l de Porto Alegre adota
 o Saci como mascote
Ao longo do século XX e começo do XXI, tem havido uma política de extermínio de sacis Os contos de fadas europeus, o audiovisual gringo, a falta de conversa entre gerações e também a falta de imaginação, são . As bruxas e bruxos e vampiros e o papai noel não querem deixar nenhum espaço pro saci.
É que o saci é subversivo. Ele não pede pra você comprar nada. Ele não instiga te instiga a querer um par de tênis (nem poderia) ou um novo jogo eletrônico. Ele só instiga a vontade de liberdade, vontade de brincar e de subir em árvore pra comer jabuticaba, goiaba e manga do pé. Ele é brasileiro e é criança de verdade, não é criança plastificada, por isso não querem o saci pulando por aí.

RESISTÊNCIA
Mas sempre teve gente defendendo o saci (em troca devem receber proteção na floresta...). Em 1917, por exemplo, foi publicado o livro “Sacy, resultado de um inquérito”, de Monteiro Lobato. A obra é resultado de uma pesquisa do escritor que havia pedido a seus leitores em O Estado de São Paulo para que lhe enviassem cartas de todo o país, contando sobre como era a lenda em sua região. Em muitas aventuras da turma do Sitio do Pica Pau Amarelo, ele também aparece.
Outro grande defensor do saci, é o cartunista Ziraldo, que criou a Turma do Pererê.

Hoje existem entidades como a SOSACI - Sociedade dos Observadores de Saci – e a ANCS – Associação Nacional dos Criadores de Saci - , com sede em Botucatu, que vêm fazendo um importantíssimo trabalho de resgate do personagem. E já começa a surgir um movimento para que ele seja o mascote da copa 2014.
Os amigos do saci conquistaram que no dia 31 de outubro seja comemorado o Dia do Saci. Ia ser bom se blogueiros, professores, avós, jornalistas, contadores de história ajudassem a divulgar o dia do Saci, em vez de pendurar abóbora com cara de má pelas escolas.

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Textos e filmes para ajudar professores a pensarem nas atividades do Dia do Saci
VAMOS DIVULGAR A DATA
No twitter, vamos tentar colocar as hashtags #saci #diadosaci e #saci2014
Sínteses: http://www.brasilescola.com/folclore/saci-perere.htm
Sociedade dos Observadores de Saci: http://www.sosaci.org/saci_mascote1.htm
Campanha Saci, mascote da Copa 2014 http://www.sosaci.org/saci_mascote1.htm
Um artigo bacana de José Carlos Pontes, saciólogo http://migre.me/1AMjB
Documentário “Somos todos Sacys”, de Rudá K. Andrade e Sylvio do Amaral Rocha. Coprodução Confraria Produções e Rede SESCSENAC de Televisão.


Somos Todos Sacys from Confraria Produções on Vimeo.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

Em nome da Mãe (ou "A epopéia do Sagrado Feminino")


No Brasil, um país historicamente agrícola,
 a virgem Aparecida se tornou padroeira
Os zen budistas celebram a Mãe Sabedoria, a Iluminação. Enquanto isso, flores e perfumes são ofertados à rainha do mar, Iemanjá, pelos filhos do candomblé e da umbanda. Os católicos cantam hinos em honra à virgem concebida imaculada. Lakshmi, bela e fértil, recebe o carinho e as danças dos hindus. Com nomes diferentes, o lado feminino do sagrado permanece vivo mesmo tendo sofrido milênios de adversidades.
Dana, uma deusa ceuta da fertilidade, desempenhava papeis femininos do Sagrado na Europa pagã

Na antiguidade (e ainda hoje em muitas culturas como na Índia) as pessoas seguiam religiões politeístas. Contudo, tendiam à monolatria, isto é, embora acreditassem na existência de vários deuses, cada cidade ou agrupamento tinha o seu deus protetor, a quem prestavam culto de modo único e especial. O historiador Lewis Mumford revolucionou nos anos 60 a maneira de entender a organização da sociedade antiga com seu trabalho “A cidade na história. Suas origens, transformações e perspectivas”. Mumford demonstra que, salvo raras exceções, sociedades guerreiras ou nômades tendem a eleger como protetor uma divindade masculina de seu panteão, geralmente ligada à virilidade, à guerra, à coragem, enquanto sociedades agrícolas tendem a eleger uma divindade feminina, com características ligadas à proteção e à fecundidade.
Isis, de origem egípcia, se tornou uma das deusas
 mais populares do mundo antigo, tendo seu
culto difundido para outras regiões do mundo 

Assim, Marte, Seth e Ogum (das religiões grega, egípcia e africanas, respectivamente) inspiravam e tinham mais bênçãos a oferecer aos grupos beligerantes, que entendiam de espada, mas não tanto de arado, como Esparta, por exemplo.
No entanto, para aqueles grupos e cidades em que a sabedoria era mais valiosa, onde era a terra (e não a guerra) que produzia frutos, em que o conhecimento sobre agricultura já era avançado, quem podia atender as preces e a quem as bonanças eram atribuídas eram deusas como Hera, Hator e Nana.

A CIDADE-MÃE

Mumford analisa as sociedades politeístas, mas se esqueceu (ou não se aventurou) de estudar onde foram parar os atributos femininos do sagrado na religião judaica, monoteísta. Judeus optaram por acreditar que havia um único Deus, e embora este não tivesse corpo, feições ou mesmo forma humana de qualquer sexo pôde ser considerado uma divindade masculina, uma vez que é chamada de “Pai”.

Iemanjá, rainha do mar na cultura
 Iorubá, foi associada pelos negros a
 N. S. dos Navegantes, afim de enganar
 os que reprimiam a religião dos escravo
Vênus, a deusa helênica
 da fertilidade representada
em pintura de Bouguereau
Só com a elevação de Davi à condição de rei de Israel e instalação da Arca da Aliança, juntamente com o trono real, em Jerusalém, verificou-se a volta à fidelidade dos judeus ao judaísmo, uma vez que a cidade passou a ser não capital política do reino, mas também capital religiosa, uma verdadeira cônjuge de Deus. Os israelitas passaram a canalizar para a cidade de Jerusalém o lado feminino do divino. E se Deus era Pai, Jerusalém e o monte Sião onde ela está será Mãe. Para provar isso basta analisar os salmos. Muitos deles não são de louvores a Deus, mas a Jerusalém. Adicione a isso o fato de que muito tempo depois ainda, no século 1, além dos sacrifícios a Deus, os judeus, mesmo aqueles residentes em colônias distantes, pagavam voluntariamente a oferta do didracma (duas dracmas) anualmente a Jerusalém para sua manutenção e embelezamento do templo e da cidade-mãe. De certa forma, da cidade deusa.

O DIVINO NO HUMANO

O monoteísmo (se é que alguma religião pode ser chamada de monoteísma, uma vez que mesmo o judaísmo e o islamismo, apesar de terem um Deus supremo, acreditam em outras entidades como anjos e demônios) nunca foi muito popular na antiguidade fora do círculo judaico. A primeira razão para isso é que sempre a crença monoteísta, tanto a judaica quanto a de Amenófis IV (Amenófis IV adotou o nome de Akenaton e tentou sem sucesso promover uma reforma monoteísta no Antigo Egito), criava um deus amorfo (sem forma), abstrato demais para as pessoas simples. Já Jesus, sendo uma pessoa, e sobretudo sendo uma pessoa comum, tornou o monoteísmo acessível, uma vez que ele próprio acabou identificado com o Deus que pregava. Deus agora tinha forma de gente, mais fácil de entender. Talvez tenha sido por isso que o evangelista João afirmou: “O Verbo se fez carne e habitou entre nós”.

Todos os anos, no Pará, milhões de fiéis
 se reúnem para participar da procissão
 do Círio de Nossa Senhora de Nazaré.
É uma das maiores celebrações religiosas
ainda existentes em que o objeto de
 culto é uma figura feminina
Sendo Jesus um homem (e não uma mulher), o cristianismo correu o risco de sepultar o sagrado feminino para sempre, uma vez que Jerusalém foi destruída no ano 70 d.C. e não poderia preencher o espaço que outrora ocupou no judaísmo. Mas segundo a doutrina cristã, o sagrado, tanto o masculino quanto o feminino, podia agora se manifestar nas pessoas de fé. Aqueles chamados “santos” seriam pessoas que, tendo atingido certo grau de proximidade com Deus, podiam apresentar virtudes e proezas divinas pelo poder Dele.

Maria, mãe de Jesus, sendo a mais popular desses personagens, acabou se tornando para os cristãos uma “válvula de escape” onde encontrar as características femininas do sagrado. Acabou sendo chamada pelos seus fiéis de Mãe e adquirindo funções que outrora estavam confiadas às deusas da proteção, da saúde, da fertilidade, do amor, do lar.

Lakshmi, divindade hindu da beleza e da fartura
Outras mulheres também puderam romper as barreiras que os homens tentaram erigir entre elas e o sagrado. Um exemplo clássico é o da profetisa Ellen White, que no século 19 fundou a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Seus escritos e doutrinas lembram conselhos de uma mãe sábia, porém radical, que além de diretrizes religiosas fornecia conselhos sobre o cuidado com a saúde do corpo, a educação e a alimentação vegetariana.

Hoje, cada vez mais os homens tentam negar o sagrado feminino. Seitas recém-fundadas negam a possibilidade de as pessoas, principalmente mulheres, manifestarem dons divinos. Chegam a cometer insultos públicos àquela a quem muitos chamam de Mãe. Contudo, as mesmas seitas afirmam (e fazem disso sua publicidade) que perversos demônios podem se manifestar nas pessoas. Gozado... Demônios sim, divindades não?

sábado, 9 de outubro de 2010

Ainda vivemos uma cultura de censura...



A triste realidade de um país em que nem intelectuais nem humoristas podem falar sobre o que acreditam, pois a própria imprensa parece não estar acostumada com pessoas que pensem livremente.

Marcelo Madureira (foto: reprodução)
Maria Rita Kehl  (foto: Damião A. Francisco) 
"Não concordo com uma palavra do que dizes, mas defenderei até o ultimo instante seu direito de dizê-la" - VOLTAIRE

No último fim de semana, o Brasil foi às urnas. Jornalistas, psicoterapeutas, humoristas, feirantes, taxistas... Todo mundo tem direito a um voto e, nas democracias consolidades, a expressar sua opinião.
Mas, infelizmente, a censura veio justamente daqueles que deviam, mais do que ninguém, defender a liberdade. Marcelo Madureira, que faz humor político desde os sórdidos anos 70, chocado com a expressiva votação de tantos cacarecos e fichas-suja fez um desabafo em que atribui ao grupo político situacionista a desmoralização da política e chamou o presidente Lula de vagabundo e picareta. A crítica feita no programa foi tão contundente que até o apresentador Diogo Mainard (que até ontem acreditava-se ser o cara que mais odeia o Lula no mundo) parecia não saber o que fazer. O fato é que nas reprises do programa, o trecho foi retirado.
Talvez o que pese sejam as enormes dívidas das Organizações Globo com o Governo Federal, ou o fato de o senador José Sarney, dono de boa parte das retransmissoras dos canais Globo.
Do outro lado da trincheira. Maria Rita Kehl, psicanalista, escrevia o artigo "Dois Pesos", em que defendia os programas assistenciais do governo e criticava a postura preconceituosa de eleitores da classe média e média-alta com relação aos eleitores que recebem esses benefícios. O artigo causou a demissão de Maria Rita Kehl do jornal que, ironicamente, sofre com censura a mais de um ano.
Na coluna Viagem no Tempo, publicada na edição deste sábado (09/10) do Jornal do Povo, escrevi sobre o fantasma dessa cultura de censura que nos assombra desde os tempos coloniais. O jornal publicou o artigo na íntegra e, pelo menos até agora, não recebi nenhum comunicado de cancelamento de contrato. Meu artigo você lê clicando aqui
Logo abaixo você pode assistir ao vídeo oposicionista de Madureira e ler o texto situacionista de Kehl.


Dois Pesos...

Por Maria Rita Kehl, para o O Estado de S.Paulo

Este jornal teve uma atitude que considero digna: explicitou aos leitores que apoia o candidato Serra na presente eleição. Fica assim mais honesta a discussão que se faz em suas páginas. O debate eleitoral que nos conduzirá às urnas amanhã está acirrado. Eleitores se declaram exaustos e desiludidos com o vale-tudo que marcou a disputa pela Presidência da República. As campanhas, transformadas em espetáculo televisivo, não convencem mais ninguém. Apesar disso, alguma coisa importante está em jogo este ano. Parece até que temos luta de classes no Brasil: esta que muitos acreditam ter sido soterrada pelos últimos tijolos do Muro de Berlim. Na TV a briga é maquiada, mas na internet o jogo é duro.

Se o povão das chamadas classes D e E – os que vivem nos grotões perdidos do interior do Brasil – tivesse acesso à internet, talvez se revoltasse contra as inúmeras correntes de mensagens que desqualificam seus votos. O argumento já é familiar ao leitor: os votos dos pobres a favor da continuidade das políticas sociais implantadas durante oito anos de governo Lula não valem tanto quanto os nossos. Não são expressão consciente de vontade política. Teriam sido comprados ao preço do que parte da oposição chama de bolsa-esmola.

Uma dessas correntes chegou à minha caixa postal vinda de diversos destinatários. Reproduzia a denúncia feita por “uma prima” do autor, residente em Fortaleza. A denunciante, indignada com a indolência dos trabalhadores não qualificados de sua cidade, queixava-se de que ninguém mais queria ocupar a vaga de porteiro do prédio onde mora. Os candidatos naturais ao emprego preferiam viver na moleza, com o dinheiro da Bolsa-Família. Ora, essa. A que ponto chegamos. Não se fazem mais pés de chinelo como antigamente. Onde foram parar os verdadeiros humildes de quem o patronato cordial tanto gostava, capazes de trabalhar bem mais que as oito horas regulamentares por uma miséria? Sim, porque é curioso que ninguém tenha questionado o valor do salário oferecido pelo condomínio da capital cearense. A troca do emprego pela Bolsa-Família só seria vantajosa para os supostos espertalhões, preguiçosos e aproveitadores se o salário oferecido fosse inconstitucional: mais baixo do que metade do mínimo. R$ 200 é o valor máximo a que chega a soma de todos os benefícios do governo para quem tem mais de três filhos, com a condição de mantê-los na escola.

Outra denúncia indignada que corre pela internet é a de que na cidade do interior do Piauí onde vivem os parentes da empregada de algum paulistano, todos os moradores vivem do dinheiro dos programas do governo. Se for verdade, é estarrecedor imaginar do que viviam antes disso. Passava-se fome, na certa, como no assustador Garapa, filme de José Padilha. Passava-se fome todos os dias. Continuam pobres as famílias abaixo da classe C que hoje recebem a bolsa, somada ao dinheirinho de alguma aposentadoria. Só que agora comem. Alguns já conseguem até produzir e vender para outros que também começaram a comprar o que comer. O economista Paul Singer informa que, nas cidades pequenas, essa pouca entrada de dinheiro tem um efeito surpreendente sobre a economia local. A Bolsa-Família, acreditem se quiserem, proporciona as condições de consumo capazes de gerar empregos. O voto da turma da “esmolinha” é político e revela consciência de classe recém-adquirida.

O Brasil mudou nesse ponto. Mas ao contrário do que pensam os indignados da internet, mudou para melhor. Se até pouco tempo alguns empregadores costumavam contratar, por menos de um salário mínimo, pessoas sem alternativa de trabalho e sem consciência de seus direitos, hoje não é tão fácil encontrar quem aceite trabalhar nessas condições. Vale mais tentar a vida a partir da Bolsa-Família, que apesar de modesta, reduziu de 12% para 4,8% a faixa de população em estado de pobreza extrema. Será que o leitor paulistano tem ideia de quanto é preciso ser pobre, para sair dessa faixa por uma diferença de R$ 200? Quando o Estado começa a garantir alguns direitos mínimos à população, esta se politiza e passa a exigir que eles sejam cumpridos. Um amigo chamou esse efeito de “acumulação primitiva de democracia”.

Mas parece que o voto dessa gente ainda desperta o argumento de que os brasileiros, como na inesquecível observação de Pelé, não estão preparados para votar. Nem todos, é claro. Depois do segundo turno de 2006, o sociólogo Hélio Jaguaribe escreveu que os 60% de brasileiros que votaram em Lula teriam levado em conta apenas seus próprios interesses, enquanto os outros 40% de supostos eleitores instruídos pensavam nos interesses do País. Jaguaribe só não explicou como foi possível que o Brasil, dirigido pela elite instruída que se preocupava com os interesses de todos, tenha chegado ao terceiro milênio contando com 60% de sua população tão inculta a ponto de seu voto ser desqualificado como pouco republicano.

Agora que os mais pobres conseguiram levantar a cabeça acima da linha da mendicância e da dependência das relações de favor que sempre caracterizaram as políticas locais pelo interior do País, dizem que votar em causa própria não vale. Quando, pela primeira vez, os sem-cidadania conquistaram direitos mínimos que desejam preservar pela via democrática, parte dos cidadãos que se consideram classe A vem a público desqualificar a seriedade de seus votos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

4o Festival Contato!... é disso que eu tô falando!

Tenho a impressão de que me mudei pra São Carlos na hora certa. Quero assistir tudo o que a agenda deixar no IV Festival Contato. O evento está sendo organizado coletivamente, com a participação de universitários, OSCIPs e coletivos de Cultura e rola entre os dias 7 e 12 de Outubro de 2010d.C. Lado B, de BEM DA HORA!
enquanto isso no LADO A da humanidade...
enquanto rolar o Contato em Sanca, na cidade ao lado pessoas se aglomeram para dançar ao som de Cascabum e Batom na Cueca... #fail


BONUS TRACK: Alguém pode me mandar notícias sobre como e quando será o Festival Interunesp de MPB de Ilha Solteira?


Pensamento do dia: "É muito mais louco não ser um retardado" LC

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Eu preferia um rinoceronte...

Francisco Everardo, o Tiririca,
 é um dos novos legisladores
 do Congresso brasileiros
Um rinoceronte faria menos merda
Há quatro anos, quando escrevi o texto abaixo sobre o fenômeno Cacareco (um rinoceronte que foi o vereador mais votado de São Paulo nos anos 50), não imaginava que um dia o estado de São Paulo teria 1.300.000 pessoas tontas o bastante para votar, DE VERDADE, no Tiririca.

A diferença, meu caro... é que votos em "cacarecos" como o Tiririca (registrados oficialmente) são um tiro no pé. Eles valem e levam gente pros cargos disputados.
No ano que vem, Francisco Everardo Oliveira Silva (que interpreta o personagem) será nosso representante em Brasilia e ajudará a definir o destino do País.
Valdemar da Costa Neto, renunciou para não
 ser cassado pelas CPIs do Mensalão e dos Correios
 Eleito em 2010 com um empurrãozinho de Tiririca
Quem votou no palhaço (embora chamá-lo de "palhaço" seja uma ofensa a essa classe artística) ajudou a eleger Waldemar da Costa Neto, um dos deputados que saiu mais enlameado do escândalo do mensalão e mais 3. O PR nasceu da fusão das más intenções do PL (dominado pela Igreja Universal e políticos com enorme ficha suja) com a bizarrice do PRONA. E tem gente que acha graça...
Tem gente que é contra o voto nulo. Mas... na boa... se é pra votar nuns caras desses, melhor não votar. E o toque vai também pra quem votou na Tati Quebra-Barraco, no Maguila, nas mulheres-fruta, nos meninos do KLB e etc.




O candidato rinoceronte



Leandro Cruz
Ele nasceu desengonçado e gordinho. Recebeu o nome de Cacareco, que na gíria significa sucata, lixo, coisa de pouco valor. Quem olhava a criatura, filha de Britador e Teresinha, não imaginava que em pouco tempo ela se tornaria um fenômeno da política e entraria para a história. Cacareco era um rinoceronte negro africano, nascido num zoológico carioca, mas que foi enviado como empréstimo para o recém-inaugurado zoológico de São Paulo em 1958 e se tornou a atração mais querida de todas.
Nos anos 70, o rinoceronte Cacareco
 virou  até personagem de revista
em quadrinhos
Cacareco tinha muitos admiradores no Bairro de Osasco, um bairro que havia crescido demais e cujos moradores sonhavam com a emancipação política. Os moradores de Osasco reclamavam que a Prefeitura paulista não dava a devida atenção à região que sofria com a falta de diversos serviços públicos básicos. Nas eleições municipais de 1959 muitos moradores do Bairro de Osasco, que defendiam a emancipação, tentaram se candidatar a vereador, mas as autoridades arbitrárias sempre arrumavam um pretexto para invalidar as candidaturas.
Mas Osasco não ficaria desamparado por muito tempo. Uma vez o jornalista Itaboraí Martins, da Rádio Eldorado, afirmou que estava tão desiludido com a política que iria votar em Cacareco, o bebê rinoceronte. E não é que teve gente que levou a brincadeira a sério?! Cacareco virou uma febre. Pessoas insatisfeitas pichavam os muros com slogans defendendo o “candidato” paquiderme: “Cacareco para vereador” ou “melhor votar no rinoceronte do que votar num asno” eram frases lidas nas ruas.
Foi a maior campanha por um voto de protesto já vista no Brasil.
Jornais conservadores escreviam editoriais contra a postura dos fanfarrões cabos eleitorais do rinoceronte. E numa tentativa desesperada de acabar com a bagunça, Cacareco foi exilado às vésperas das eleições.
Muita gente compareceu ao zoológico paulistano para protestar e dizer adeus ao simpático animal quando ele foi retirado à força de lá e embarcado em um caminhão de volta ao Rio de Janeiro em plena madrugada. Ele tentou resistir e permanecer em São Paulo, terra que o acolhera com tanto carinho, mas os dardos tranqüilizantes acabaram por derrubar o herói da gente de Osasco.
Em 2010, a funkeira Tatiana Lourenço, a Tati Quebra-barraco,
 autora de músicas como "Dako é Bom" pediu apoio dos evangélicos
para se eleger deputada pelo Rio de Janeiro. Não deu.
O povo lá parece não confiar em rinocerontes
O golpe do exílio não adiantou. Pelo contrário, gerou maior comoção e publicidade para o candidato não-oficial. A febre Cacareco se espalhou inclusive por outros bairros, nas mais diversas camadas sociais.
Vale lembrar que naquela época não existia urna eletrônica. Para votar em vereador a pessoa tinha que escrever o nome do candidato numa cédula de papel e depositar numa urna. Por fim, Cacareco teve mais de 100 mil votos, o suficiente para eleger mais de uma dezena dos 45 vereadores que São Paulo tinha na época. Obviamente, na contagem oficial, todos esses votos foram computados como nulos. Mas até hoje Cacareco é um dos vereadores mais bem votados da história de São Paulo.
O bebê rinoceronte não assumiu o cargo por razões óbvias, mas sua vitória não foi em vão. A notícia ganhou destaque internacional. Saiu até na revista Time. “O povo e as classes oprimidas foram magnificamente à forra”, escreveu Neil Ferreira, da revista O Cruzeiro.
A causa da emancipação de Osasco tinha ganhado projeção. Sob os olhares do mundo, inevitavelmente teve de ser convocado um plebiscito e o “sim” saiu vencedor. Graças ao pacato rinoceronte, Osasco se separou da capital paulista e se tornou uma cidade independente.
Cacareco foi até homenageado em uma marchinha de Carnaval: “Está faltando leite, está faltando pão, criança sem escola não tem mais solução, a queixa desse povo não encontra eco, e foi eleito o Cacareco”, dizia a canção.
O médico Enéias Carneiro tinha 15 segundos
 no horário eleitoral de 1989, mesmo assim
garantiu o 3o lugar nas tão esperadas eleições
 diretas; Eneias defendia até o cancelamento da
nova Constituição: "Um ano já se passou e até
agora nada mudou. Meu nome é Enéééias"
Até hoje Cacareco é um símbolo da anarquia consciente e da insatisfação. Virou uma gíria no meio político. Candidatos estranhos e com pouca chance de ganhar são chamados de “cacarecos”, mas muitas vezes eles acabam surpreendendo. Um dos maiores exemplos de “cacarecagem” da história recente do país foi o médico Enéias Carneiro, que nas eleições presidenciais de 1989, com apenas 30 segundos na TV, com suas ideias mirabolantes ultradireitistas, sua barba e sua voz de bravo conseguiu chegar em terceiro lugar, ficando à frente até de homens que haviam marcado a história do país na luta pela democracia como Leonel Brizola, Mário Covas e Ulisses Guimarães.