sábado, 28 de janeiro de 2012

Fogueira Eletrônica

Dois projetos de lei colocam em risco a maior conquista da humanidade dos últimos tempos: a capacidade de compartilhar conhecimento e pensamento gratuitamente. O SOPA (Stop Online Piracy Act) e o PIPA (Protect IP Act) limitam drasticamente a liberdade na internet e dão ao governo dos EUA a possibilidade de tirar do ar para sempre sites e blogs que ameacem os interesses do império.
As fogueiras estão acesas. Está aberta a nova temporada de queima de livros. O capitalismo perdeu os pudores, não se preocupa mais em esconder que o obscurantismo, a ignorância generalizada, é um dos pilares que o sustenta, tal qual previu nos anos 50 do século passado Ray Bradbury, em “Fahrenheit 451”. O título da obra referia-se à temperatura (na escala Fahrenheit, equivalente a 232,8 Celsios) em que o papel entra em combustão, já que no futuro sombrio imaginado pelo autor ideias e pensamentos dissidentes eram considerados crime. Livros são proibidos, incinerados pelos bombeiros (firemen), juntamente com a casa de quem os detivesse, sendo reservadas aos infratores penas que iam desde a internação em hospícios à morte.
Alemanha Nazista também queimou livros para conter ideias
Bem-vindos ao futuro sombrio, escravos, já estamos nele.
Mas as bruxas, os hereges e Giordanos Brunos estão a fim de dar o troco.
Na última quinta-feira, uma megaoperação global foi executada em oito países com o consentimento do governo de cada um deles para prender Kim “Dotcom” Schmitz, fundador do Megaupload ,e funcionários da empresa que criou uma eficaz plataforma de compartilhamento gratuito de conteúdo (livros, filmes e etc.). A ação internacional que prendeu Dotcom em seu país natal, a Nova Zelândia, foi capitaneada pelos Estados Unidos, numa clara demonstração de que estamos cada vez mais próximos de algo parecido com um governo mundial, onde não dá para fugir ou pedir asilo político, pois os estados trabalham agora unidos como nunca em vassalagem ao verdadeiro poder soberano de nossa sociedade: o capital, representado de modo especial pelas grandes corporações.
Kim "PontoCom" está preso por ter criado o MegaUpload
Imagino que na noite de quinta donos das grandes corporações da indústria cultural, congressistas americanos e diretores do FBI comemoravam ao som de algo como “Ai se eu te pego” a derrubada do Megaupload. Imagino também quão hilária deve ter sido a expressão nos rostos deles quando meninos atrevidos nos quartos de suas casas estragaram a festa dos tubarões: em resposta, os sites da Universal Music, da Associação de Filmes dos EUA e da Associação da Indústria Fonográfica foram tirados do ar por hackers do mundo inteiro.
Às “autoridades”, os Anonymous declararam: “Vocês deviam estar esperando por nós”. E aos internautas do mundo o convite: “Pegue pipoca, essa vai ser uma noite longa e engraçada. Pouco tempo depois, o site do FBI (a Polícia Federal dos Estados Unidos) estava fora do ar. 100% de sucesso da retaliação por parte das mentes livres.
No dia seguinte: o Megaupload estava novamente no ar. Mas os projetos de lei ainda seguem tramitando no congresso americano e devem ser votados na próxima semana. Sob a desculpa de estarem protegendo os direitos autorais, sites e blogs podem ser tirados do ar a qualquer momento pelas autoridades norte-americanas, bem como deixarem de aparecer em sites de buscas como o Google.
Sou réu confesso. Ainda que não distribuísse e-books e filmes, a simples reprodução de uma foto ou obra de arte usada para ilustrar um texto sobre a história da humanidade (história essa que pertence a todos) seria o suficiente para tirar www.viagemno tempo.com.br do ar, por exemplo. Isso mesmo que meu blog não tenha fins comerciais ou publicitários e só tenha me dado “prejuízo” do ponto de vista financeiro de modo que jamais lucrei com trabalho alheio. O maior risco é que, além de dificultar a troca de informação, haja uso político destes mecanismos, fazendo sumir do ciberespaço conteúdos que contenham “ideias perigosas”, como convocações a boicotes e críticas a governos.
Diante disso, a inquisição espanhola e o Bücherverbrennung nazista parecem amadores. 
MAIS
Indignado com o Pipa e o Sopa, espere até saber o que é o global ACTA



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Baixe o livro "Fahrenheit 451" de Ray Bradburry  http://uploading.com/files/8c8d767b/FR451RB_multibrasil.rar/ (PS: o autor liberou a cópia e distribuição gratuita)
ou assista a versão cinematográfica de 1966 http://depositfiles.com/files/hoygvl8hc

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

A Polícia mudou a História

O que se pode esperar da Polícia Militar do Estado de São Paulo quando a Secretaria Estadual de Segurança Pública exalta o golpe militar de 1964 e se sente orgulhosa de sua participação no processo? Até a tarde de sexta-feira o site da secretaria exibia a seguinte versão do golpe de estado que nos levou à Ditadura: 
Depois de alguns protestos no Twitter, o ano de 1964 simplesmente sumiu da linha do tempo da Secretaria http://www.ssp.sp.gov.br/institucional/historico/

sábado, 14 de janeiro de 2012

Da luz às trevas

Dezenas de crianças foram "apreendidas" oficialmente por
policiais na operação na Luz; há relatos de desaparecimento
(Foto: Domingos Peixoto); na foto, policial à paisana

aponta arma para cabeça de menino

Nesse momento, a Polícia Militar do Estado de São Paulo, força estatal de repressão maior até mesmo que o Exército Brasileiro, ocupa a histórica região da Luz (+ Sta Ifigênia), que a imprensa e os governos passaram desde a década de 90 a chamar de “Cracolândia”. De fato, muitos prédios abandonados e ruas dali se tornaram espaços de consumo da destruidora droga e tudo de ruim que está relacionado a ela (violência, exploração sexual, etc.). A área foi abandonada, deliberadamente, segundo moradores da região. A própria grande imprensa contribuiu para tornar a área zona de abandono.
Abuso policial contra pessoas desarmadas marca ocupação
da "Cracolândia" em São Paulo (foto Eduardo Enemoto)
As reportagens e o apelido aterrador contribuíram para duas coisas: A primeira delas foi propagandear, anunciar para todos os viciados da cidade: “Ali vende, ali dá pra ficar”. E enquanto isso, pela cidade, milhares de moradores de rua eram espancados ou mesmo mortos. São imigrantes mal-sucedidos, gente que perdeu o emprego no campo, gente que perdeu tudo nalguma tragédia, crianças que fugiram da violência em casa, indígenas que perderam a terra e caíram na indigência, egressos do sistema prisional que não receberam uma segunda chance, deficientes físicos e mentais, gente que não conseguiu um espaço. De fato na rua há aqueles que acabam escolhendo "o crime", mas a maioria nem sabe direito o que é escolha.
Ano passado conheci no Ocupa Sampa alguns sobreviventes, gente que contava histórias como a de Dona Cida que narrou-me certa vez como agentes da GCM (Guarda Civil Metropolitana) uma noite colocaram fogo dormindo. Outros explicavam por que estavam mancando ou com esparadrapo na testa, a explicação era quase sempre: PM ou GCM.
A “Cracolândia” foi fabricada. Era pra lá que o Sistema e o Estado (apenas mais um aparato que o Capital já tomou para si) varriam o seu “resto da equação”. Primeiro você varre um monte de gente para a miséria. Depois para a rua. Depois para o vício. Em seguida para a “Cracolândia”. E depois, para uma vala comum. Assim o crack vive uma falsa ilegalidade. Por um lado ele é oficialmente “proibido” pelo Estado. Por outro ele é permitido e altamente interessante para o modelo de Capitalismo vigente. É uma arma de destruição em massa contra aqueles que estão abaixo da base, na sola da pirâmide.
Pessoas sem condição de consumo podem contribuir com o giro da economia comprando pelo menos a pedra de seu vício, comas migalhas que conseguem vendendo o corpo ou roubando carteiras. Enquanto não morrem (sendo assim menos um nesse “resto de equação matemático-social”), não se rebelam, pois viciados não conseguem falar, ouvir, pensar mais elaboradamente, se articular, se unir contra o Sistema que os colocou na condição de miséria.
População viciada da Luz não recebe apoio social, médico nem
psicológico; muitas pessoas caem na marginalização por causa
da droga; a maioria entra na droga por causa da marginalização
A segunda contribuição da imprensa paulista e nacional, pela maneira como tratou a situação na Luz nos últimos anos, foi o afastamento do resto da população. A criação do medo fez com que, em vez de que se buscasse alternativas e soluções para os problemas (das drogas, da cidade, da população nessa situação), ninguém quisesse passar nem perto daquela zona de exclusão.
Passados 20 anos, os especuladores imobiliários (o que inclui, mais uma vez, muitas empreiteiras e o setor de mineração - fornecedores de concreto, aço, etc.) podiam contemplar o que queriam. A área desvalorizada. Os programas governamentais para moradia não privilegiam recuperação de imóveis prontos, uma vez que o número de domicílios vagos supera em quase um milhão o déficit habitacional em todo o país (Censo 2010).


Assim, quem sonha em ter um teto tem que se endividar bem mais, e quem é dono de empreiteira ganha mais dinheiro. Soma-se a isso a valorização do metro quadrado em grandes cidades brasileiras com a aproximação da Copa do Mundo estão tendo e pronto: os controladores do poder viram que era hora de entregar a área desvalorizada aos tubarões da especulação; criou-se o projeto Nova Luz, que vai desapropriar mais de 30% da área construída para demolir e construir mais edifícios novos. Moradores antigos do bairro (que é bom que se saiba, muitos não têm qualquer relação com drogas) estão revoltados. A Prefeitura os expulsa com indenizações vergonhosas enquanto aos ocupantes viciados estão sendo expulsos a bala.
No dia 12/01, enquanto a PM paulista tratava com balas e
chutes os viciados da Luz, para espantá-los da região, a
presidenta Dilma e o governador Geraldo Alckmin anunciam
parceria para construção e financiamento de moradias; não
para os miseráveis da rua
Não. As ações que a TV mostra da Polícia atuando na Cracolândia não são para oferecer tratamento de saúde nem enfrentar o crime, como gritam excitados os mesmos apresentadores que essa época do ano costumavam ser apenas narradores de enchente. O que está em jogo são os negócios. E a Polícia cegamente (ou não) está agindo como milícia privada de interesses particulares.
Segundo uma fonte do Movimento Nacional da População de Rua, outro negócio que estaria em jogo seria o lucrativo mercado de manicomialização, que quer voltar a receber rios de dinheiro do Estado para internar como louco qualquer viciado ou morador de rua ou miserável em geral com a chamada “internação compulsória”. Manicômios privados (sem qualquer preocupação com recuperação) receberiam boa parte dos catados pelas “carrocinhas humanas”, já que, sabidamente (e deliberadamente), o Estado não tem estrutura para dar tratamento a essas pessoas.
O que há é uma guerra aos pobres. O avanço do rolo compressor capitalista sobre os corpos de brasileiros. Pois nenhuma pessoa de boa-fé pode achar que prisões, espancamentos, bombas e assassinatos sejam um bom remédio para dependência química ou para nossas doenças sociais.

MAIS
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Em audiência pública, o sacerdote católico Julio Lancellotti denuncia torturas, intimidação e extermínio na "Cracolândia"



Raquel Rolnik urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo e relatora especial da Organização das Nações Unidas para o direito à moradia adequada explica o  projeto Nova Luz.